Tuesday, May 31, 2005

Os omnipotentes

O ser humando é de uma estranha natureza. É mutável ao sabor dos seus desejos. O bem e o mal são-lhe inatos, e consoante o que sonha escolhe entre o bem e o mal. Dois pólos que não podem existir um sem o outro. Pessoas há que controlam um. Mas o outro pólo vive sempre próximo, embora não se faça notar. Um dos desejos mais apetecidos é o poder. O Homem adora-o, e pretende conquistá-lo a bem ou a mal. Quem sonha com o poder sobre os outros debate-se numa terrível luta entre o bem e o mal. E um acaba sempre por vencer. O mal normalmente. É o desejo de comandar vidas que o leva a utilizar. E talvez o de anularem Deus. E a sua esperança é que um povo atemorizado não tenha ideias.
Ora, os Deuses políticos nada podem fazer sozinhos. São acompanhados de anjos para seus intentos realizarem. E o poder solidificarem. Esta situação passa-se em Sauzesco, terra onde o amor fraternal é uma miragem e onde os justos derramam o sangue nas colinas solitárias em busca de um novo futuro. Mas ainda não é grave aquilo que se está a passar. Antes será aquilo que se passará. Por enquanto os anjos vagueiam ainda pelas cidades. A morte que lhes está nos corações ainda não foi solta.

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Nas montanhas de Sauzesco passavam-se coisas estranhas à vontade dos omnipotentes. Ana e Danilo - em viagem - sentiam pressentimentos diferentes. Ela queria voltar para junto da filha. Ele não quieria voltar à capital. Ana sentia Miguel longe. Danilo sentia-o próximo. Tinha que continuar. Cumprir com zelo a sua missão. Confiada pelo ditador ainda em San Caetano. Lembrou-se desse encontro, desse momento com o tirano e com o filho. Ao pensar no futuro ditador arrepiou-se. «Coisa abjecta», pensou. E lembrou-se da conversa que manteve com ele dias atrás. À medida que se recordava sentia o ódio crescer-lhe... Estava de novo numa rua poeirenta de San Caetano. O calor era tórrido, e Ana não lhe saia da cabeça depois do reencontro nesse dia,
- O amigo Danilo vai aí embrenhado em pensamentos. Olhe que pensar demasiado queima a cabeça... - Danilo virou a cabeça e viu Afonso del Marco a falar consigo. Um sentimento de náusea o invadiu ao ver o riso estúpido do filho do ditador de Ceauzesco. Danilo manteve o ar grave e respondeu:
- Ia agora ao Palácio presidencial. Julguei que por lá o encontraria, junto de seu pai a tratar assuntos de Estado. Mas reparo, e sem agravo, que prefere passear pelas poeirentas ruas da capital.
- É verdade. Gosto de ver o povo. Sentir o olhar da populaça pousar em mim com veneração. Fazerem-me vénias e tirarem-me o chapéu. Ver as mães a abanarem os filhos pequenos para me saudarem.
- E não é perigoso passear-se assim solitariamente? - perguntou Danilo caminhando ao lado de Afonso.
- Olhe parta o lado, e para trás, já agora para a frente. - Danilo sabia que vários solfdados rondavam Afonso. Eram os seus protectores. A escolta privada do futuro chefe de Sauzesco.
- Bem vejo. Já agora, se vai para sua casa posso acompanhá-lo... Seu pai espera-me como deve saber - disse com um misot de nojo e medo da companhia -
- Claro que sei. Aliás, tenho como missão levá-lo - atirou Afonso com ironia. Meu pai receia que as companhias de uma certa mulher lhe façam mal. Depois pode passar para os revolucionários de quem o marido dela é chefe. Aquele odioso Miguel de Albuquerque... Aí, meu caro, teria a cabeça a prémio.
Danilo emudeceu, raivoso. Se fosse outro homem esboteava-o e desafiava-o em duelo. Mas nada podia fazer, pois mesmo que toda a dignidade do mundo lhe apelasse às vísceras não escaparia de um pelotão de fuzilamento ali mesmo. Mas lembrou-se de dizer cinicamente...
- Ana de Albuquerque é minha amiga de infância. A minha preocupação para com ela vem desde os tempos em que nem sabiamos quem era Miguel. Não se preocupe com ela. O mesmo sentimento teria você, certamente, se rencontrasse um amigo de infância.
Afonso percebeu o dito de Danilo. Durante a infância e juventude fora companheiro inseparável de Miguel de Albuquerque. O relacionamento destes dois era natural, visto que as famílias Del Marco e Albuquerque haviam construído juntas o poder e a influência em Seuzesco. Porém, os dois jovens incompatibilizaram-se um dia. Nenhum percebeu porquê o afastamento. Mantiveram, no entanto, o respeito caduco de uma amizade antiga e sabiam novas um do outro pelos pais. Até ao dia em que Afonso soube, espantando-se de não ficar espantado, que Miguel se passara para o campo inimigo.
Danilo e Afonso tomaram uma caleche e dirigiram-se para o palácio, que ficava próximo. O futuro ditador estava silencioso. A Danilo apetecia dizer para não pensar do mesmo modo que há pouco lhe dissera Afonso. Até que este levantou a cabeça e disse...
- Quando um dia for eu a mandar destruirei todas as provas que me ligam a Miguel de Albuquerque. Quero que a minha infância pela história seja reescrita.

continua - próximo capítulo: a missão confiada a Danilo

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