Monday, May 23, 2005

Noite

“ Olhem a criança! Ajudem-na! Por favor. Ela não tem que sofrer por nós!
Sim…a criança pode ir…deve ir…peguem nela…os rebeldes que entrem…também são parte de vocês? Não é, nobre aia?
Boa sorte não terás mulher…e o filho que carregaste em ti, como um tesouro, não passará de um cão esmagado pelo meu poder…meu Pai foi muito brando…
Para onde a levam? Não…não façam isso, pelo Governador…”

E enquanto ouvia dentro de si estes gritos, os lamentos de Clarisse, Ana conseguiu erguer a cabeça. Ecoava ainda dentro dela o sarcasmo do Ditador.
Foi nessa altura que Ana viu dois braços pegarem nela e levantarem-na do chão.
- Não lhe toquem… – ouviu Ana dizer. O mestre pede…
- Perdón Señora – continuou a voz – O Mestre disse para a levarmos daqui para fora…venha.
Só nessa altura é que Ana reparou que estava com a roupa cheia de terra.e que estaria ali provavelmente há muitas horas…reparou que tinha um braço magoado.
Levaram-na para fora da barraca. O dia já tinha nascido.
- Onde estamos? – Perguntou Ana?
Nas montanhas Señora. – Respondeu-lhe a voz. – Em Las Corrientes.
- Eu não quero ir sem falar com ele… – lamentou-se Ana.
- Ele viu-a Señora. – E tinha razão quando disse que a Senõra era linda como uma rosa…mas muito frágil para estar aqui.
Ana procurou Danilo com os olhos, viu-o chegar. Também ele parecia magoado.
- Vão-se embora continuou a voz – Têm muito que caminhar ainda, não os podemos levar até mais longe…era perigoso para vós.
Sigam o trilho do rio, de certo que encontrarão o caminho. O rio nunca mente.
E Ana e Danilo viram-se outra vez a caminho da civilização, lado a lado, par a par.
Como iriam sair daquele lugar, com chegaria Ana a casa a tempo de ver o que se passava? Ana estava desesperada, e o curso da água era traiçoeiro, pensava.
- Temos que ir já para casa. Disse Ana a Danilo. – Tive um sonho terrível…terrorífico mesmo! Preciso de ver a minha filha!
- Ana disse Danilo – calmamente, tentando não preocupar a amiga – Ana, as estradas estão cortadas, é impossível sairmos daqui!
E Ana quase caiu novamente. Agarrou-se mesmo ao amigo para permanecer em pé. E a partir daquele minuto para Ana, só a escuridão contava, como se tivesse mergulhado de novo na noite imensa que não se pode ver, mas que a consumia por dentro, que lhe roubava o ar.

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Sobre San Caetano, também a noite se abatia, feroz, na Casa Lúmina.
As suas portas fechavam-se, num silêncio sepulcral, marmóreo, levando toda a sua luz e risos de outrora. O lindo átrio da casa cobria-se agora de limo e folhas, o musgo vestia a fonte do Cupido, a água deixara de jorrar, o Cupido fechava o seu sorriso num sono profundo.
Em La Esperanza, a casa do Governador era agora refúgio de fugitivos. O gigante grande e imponente, que guardara toda a cidade, que a vigiara, jazia agora de portas escancaradas, para quem o quisesse ver.


As Montanhas de Sauzesco

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