Monday, December 20, 2004

La Esperanza

Ana recordava – se vivamente da sua noite de núpcias. Sentia ainda o nervosismo percorrer-lhe a pele, guardava em si cada expressão, cada palavra dita naquela noite. Emocionava-se ainda com o carinho que Miguel demonstrara por ela.
“ Só serás minha quando quiseres, eu espero…não pretendo tomar ninguém pela força…e acho que era bom conhecermo-nos melhor primeiro…”- disse-lhe Miguel passando-lhe levemente a mão pela face.
Ana sorriu e esperou que Miguel continuasse a falar. Não era mulher de grandes comentários, estava num mundo que não conhecia, numa cidade que não era a sua, à espera de amar um homem que era agora o seu marido.
Ana olhou para os seus olhos e viu quem era Miguel. Viu nele todos os receios, todas as angústias que também ela sentia e não pode deixar de sorrir. Afinal, não era só ela a temer pelos dois, a sentir-se insegura em terreno ainda por desbravar.
“Chegará o momento em que ambos nos vamos esquecer de esperar…” anuiu Ana.
E Miguel devolveu-lhe o sorriso mais terno que Ana alguma vez vira, e de repente, era como se o mundo não existisse, como se só aquele sorriso contasse. Ana retirou-se devagar, dirigindo-se para o quarto de hóspedes com a certeza de que não lhe ia custar nada esperar.

Enquanto percorria o país de carruagem Ana pensava o que iria fazer quando chegasse a Mangualde. Não conhecia nada daquela terra e pouco relacionamento tivera com Joaquim ou com o Governador. Começava a sentir que Miguel realmente lhe fazia falta e não sabia como superá-la. Enquanto via os cavalos galgarem as léguas que a separavam da terra misteriosa, Ana sentia-se perdida. Olhava para o céu onde despontavam os primeiros raios de sol, via as nuvens lá no alto e acreditava que tudo aquilo tinha que ter um propósito. A maldade entre os homens era tanta que se tornava difícil perceber quem tinha razão no meio de tantas razões encobertas.
Enquanto rumava para o seu novo destino Ana sabia que aquela guerra estava longe de ter um fim. Conseguia antever as mortes, o sofrimento, a violência que se perpetuaria na história daquele país.
Tinham chegado a Mangualde quando foi acordada deste seu pensamento e olhou em volta. Na praça mulheres vendiam frutas e legumes em carrinhos de mão. A música dos afiadores de facas ecoava nos ouvidos. Ali perto, o clube latino, sempre em estilo francês de onde saiam homens com charutos e chapéus de coco na cabeça, engravatados e com ar apressado. No cimo da colina uma mansão imponente figurava, no alto, como um gigante de pedra vigilante do reino das almas.
Á medida que se aproximavam Ana sentia a expectativa dos primeiros momentos, sentia um gelo percorrer-lhe todo o corpo. Engolindo a dor que nela se tinha instalado, levantou-se saindo ligeira da carruagem. Com ela seguiram a filha e a fiel aia, Clarisse. Joaquim, amo de Miguel e companheiro das horas mortas do Governador guiava-as pelos caminhos da mansão.
- Aqui estarão em segurança. Não há quem se atreva a tomá-la. - Assegurou Joaquim em tom reconfortante. – Também já não há muita gente por estas bandas. A maior parte fugiu para as montanhas ou encontra-se fechada, como nós. Completou, fazendo vivos gestos com a cabeça para os lados, tentando ler as reacções.
Ana olhou ao seu redor. Joaquim tinha razão. A cidade estava praticamente deserta. Dali do cimo da colina, conseguia ver tudo muito melhor. Via a praça com os vendedores, via as casinhas minúsculas, no planalto e o fumo que saía das chaminés.
Joaquim abriu-lhes a porta da mansão. Lá dentro a ténue luz da manhã iluminava palidamente a casa. Ana entrou para um hall onde se manteve por breves minutos, sendo interrompida por uma voz, remotamente familiar.
- Entrem… isto aqui está uma confusão. – Dizia o governador Alexandre Albuquerque
- São tempos difíceis… - disse Ana olhando para a filha. – Maria! Venha dar um beijo ao avô.
- Então esta é que é Maria da Luz… - disse Alexandre enternecido levantando-se do seu cadeirão e dirigindo a mão à cabeça da neta, acariciando-lhe os cabelos ruivos.
- Sim, e hoje está um pouco encabulada, é a primeira que vê vossa senhoria… – completou Ana puxando a filha para si. E esta é Clarisse, nobre aia de minha filha, sua neta.
Quando os olhos do barão se deitaram naquela figura, Alexandre de Almeida e Albuquerque, barão de Mangualde, governador, sentiu-se de novo como uma criança indefesa. O seu corpo tremeu e Alexandre desejou nunca ter vivido aquele momento.
-Bem…- Disse em jeito de conclusão – de certo que a aia e a menina não se importam de se recolherem aos seus aposentos. Há uma conversa que desejo ter consigo, Ana.
Ana anuiu pedindo a Clarisse que levasse Maria para o quarto que Joaquim lhes providenciara.
- A razão porque a chamei para aqui, não se prende só com o facto de segurança. - Confidenciou Joaquim – Decerto que foi um dos motivos, mas outra razão me impeliu a fazê-lo…minha esposa Lúcia encontra-se muito debilitada. Há muito que a fraqueza a atacou. – Lamentou-se Joaquim.
- Faremos tudo o que podermos para lhe dar a felicidade de que necessita. – Atalhou Ana, sempre perspicaz.
- Estou convencido que sim. – Disse Alexandre, disfarçando subtilmente mal sentiu a presença de Maria Lúcia.
Ana olhou para a sogra e uma sensação de pânico invadiu-a. Como estava pálida e fraca. A sua magreza impressionava. Parecia um esqueleto em pé. Uma sombra humana, tentando sentir-se viva.
- Ana, já vi a menina…é um amor de riqueza… – disse Lúcia com um sorriso nos lábios. Parece-se muito com Miguel… – concluiu
- Sem duvida que se parece muito com o pai. – Disse Ana, abraçando a sogra emocionada.
E foi assim que Ana sentiu que não podia estar noutro sítio, não podia fazer as coisas de outra maneira. Enquanto Maria Lúcia precisasse Ana estaria por perto para ajudá-la. Enquanto lhe pudesse dar um pouco de conforto, estaria ali para a amparar. Sentia, por fim, que estava mesmo no lugar certo e que não havia, verdadeiramente decisões erradas, apenas escolhas fruto de ocasiões. E aquela era a sua escolha do momento. Ali, na mansão La Esperanza, a felicidade iria reinar de novo.




Ana Branco

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