Tuesday, March 08, 2005

Nas Montanhas

“ Diga-lhe que dois homens nascerão, na mesma cidade, no mesmo sítio, mas que não conseguirão viver no mesmo tempo. Enquanto um não tiver consciência do espaço do outro não poderão viver em paz. Lembre-se que a marca é o símbolo de união entre todos. Não há um todo que viva sem as partes…lembre-se. E Ana tremeu ao lembrar-se da marca. Soube, então que tinha que fazer o sacrifício, abdicar da sua vida para salvar as do todo. Decidiu que abdicaria dela, porque a sua vida seria insignificante se vivesse só para si.
E torturava-se sozinha por compreender, por saber…sem saber como falar. Há muito que Ana sabia ser aquele o seu destino, e mesmo assim, sempre que este vinha ter consigo, não havia forma de deixar de o encarar como uma novidade.”

A carruagem parou perto de San Caetano e Ana tremeu ao lembrar-se daquela cidade onde tinha vivido longos anos de felicidade. Ali se casara, ali amadurecera e se mostrara como era. Parte das suas raízes tinham ficado ali também. Sentia falta dos tempos em que se podia andar livremente por entre as casas sem ter que recear violências. Sentia falta dos tempos em que sabia que podia contar com todos, com os amigos, os vizinhos, os criados. Nessa altura todos eram amigos e fiéis. Agora, todas as máscaras derrubadas e partidos tomados, era melhor esquecer quem tinha sido nosso amigo e prosseguirmos com os companheiros de jornada.
Danilo olhou para a amiga que conhecia como as palmas de suas mãos e achou melhor não lhe perguntar o que se passava. Era melhor ser Ana a sair daqueles pensamentos que a rodeavam.
- As montanhas ficam a poucos km daqui, amiga. Não sei se quer parar e descansar.
- É melhor continuarmos… – disse-lhe Ana resoluta.
E Danilo não percebia, esperava ver o sorriso no rosto da amiga, a ternura que a caracterizava tinha desaparecido, como se uma sombra tivesse descido sobre ela e a tomasse completa, mesmo assim andava, lado a lado com aquele resquício desconhecido para ele. E se a noite tinha baixado sobre Ana e a tinha feito mergulhar nas trevas, não haveria melhor sítio para ele estar também. E muitas noites mais se atravessariam entre eles. Ali, pensou, as trevas eram o paraíso.
E Ana continuava absorta, levada pelo tempo, pelas horas, meditava sozinha, em silêncio, como se a dor que a invadira fosse maior que tudo.
E o tempo passava, embora sozinho, sem falar também, Danilo sentia que olhando para Ana estava mais completo, mais ele…e como se sentia feliz, não podia deixar de sentir um contentamento egoísta ao ver a amiga ali, sozinha, sem Miguel. E mesmo que os remorsos o invadissem num laivo de lucidez, não deixava de esboçar um sorriso e de respirar fundo, recostando-se melhor no acento da carruagem.
A noite caiu rápido em Sauzesco. Ana dormia.
- Chegamos – disse-lhe Danilo tocando-lhe ao de leve na mão. E Ana estremeceu.
E quase como que adivinhando todos os pensamentos do amigo, Ana passou – lhe a mão pela face, lançado – lhe um sorriso terno, doce, melancólico.
E como estava grato por aquele sorriso, pensava Danilo.
Saíram os dois da carruagem, no negro da noite, na esperança de encontrarem Miguel.
Começaram a subir as íngremes encostas da montanha, apenas com uma lanterna, e com o sentido apurado de Ana. Tinham andado cerca de meia hora, não sabiam por onde iam, as silvas e as pedras cortavam-lhes as roupas, faziam-nas farrapos, Danilo pensara em desistir, em vir para trás, mas ao olhar para a amiga recordava-se que mais importante do que ter a roupa em farrapos, era ter a alma despedaçada pela ausência, enquanto Ana caminhasse, ele também andaria.
E foi nessa altura que ambos viram.viraram-se instantaneamente um para o outro e Ana sentiu o coração estremecer.


Danilo, o amigo de todos os tempos